Para os jovens Breno Pereira, 22 anos, e Carlos Henrique Ferreira, 23 anos, a paixão pelos estudos não tem limites. Moradores nativos da Ilha das Peças, paraíso ecológico no Litoral do Paraná, os dois são alunos do programa de qualificação profissional na área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) do Governo do Estado, o Talento Tech. O trajeto, no entanto, não é nada convencional: para eles, pelo menos uma vez por mês, o caminho para uma nova carreira passa por uma travessia de 20 quilômetros de barco até a sala de aula.
Vizinha da Ilha do Mel, a Ilha das Peças conta com cerca de 350 habitantes e pertence ao município de Guaraqueçaba, que abriga um dos polos de aulas do programa. Ao todo, 20 alunos do município fazem parte da primeira turma do Talento Tech. Os módulos obrigatórios do curso se encerraram ainda em junho, mas os alunos que optaram por fazer o módulo complementar finalizam as aulas no final de julho.
Quem comanda o barco é o tutor presencial do polo, o professor Fernando Luiz Ramos Brock. Ele também reside na Ilha das Peças e conta com experiência e documentação necessária para pilotar a embarcação. “Temos diversas histórias como as do Breno e Carlos, e certamente o Talento Tech está abrindo muitas portas para os jovens da região”, afirma.
O curso teve duração de 10 meses, com aulas presenciais e a distância no modelo EAD (Ensino a Distância). Entre as temáticas abordadas, os alunos tiveram aulas de programação, Inteligência Artificial, machine learning e outros temas voltados à tecnologia.
Com investimento de R$ 62 milhões, o Talento Tech é voltado para capacitar estudantes da rede pública, tanto do Ensino Médio quanto do Ensino Superior, que residem nos 50 municípios com menor Índice Ipardes de Desenvolvimento Humano (IPDM), modelo próprio do Estado para classificar o desenvolvimento nos municípios. Além das aulas e contato com profissionais da área, os alunos do programa receberam uma bolsa mensal de até R$ 1.500 e notebooks para estudos durante o curso.
Breno destaca os múltiplos benefícios do programa. "O Talento Tech é fundamental: a bolsa me ajuda muito, aprendo a programar e o networking vai abrir muitas portas para eu crescer na área de TI", afirmou.
Na primeira turma, estão em reta de formação 1.000 estudantes. O objetivo é que alunos, como Breno e Carlos, se formem e consigam trabalhar em suas regiões na área de programação. O programa é desenvolvido de forma conjunta pelas secretarias da Inovação e Inteligência Artificial (SEIA), Planejamento (SEPL), Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), Educação (Seed), Cidades (Secid) e Fundação Araucária, sendo coordenado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
- Paraná teve maior crescimento econômico do Brasil nos primeiros cinco meses de 2025
-
Parananese que vai representar Brasil em Olimpíada de IA ganha notebook e conta trajetória
PAIXÃO PELA TECNOLOGIA – A viagem para chegar da Ilha das Peças até Guaraqueçaba começa cedo, às 7h30, quando Breno, Carlos e Fernando seguem rumo às aulas.
Carlos explica que a logística exige planejamento e comprometimento. Mesmo com adversidades como mau tempo, ventos fortes e maré, o desejo de aprender é mais forte. “Nossa estrada é o mar, já estamos acostumados. Dependemos totalmente da boa vontade da natureza, então não é como um ônibus que quebra ou fica sem gasolina, é algo bem mais sério e envolve uma série de variáveis”, conta.
Os alunos têm um objetivo muito claro, seguir carreira na área de tecnologia e inovação, e o Talento Tech apareceu como uma oportunidade de se profissionalizar sem a necessidade de saírem das suas regiões. Para os dois, o interesse pela tecnologia surgiu cedo.
Breno começou a gostar da área por influência das redes sociais e jogos digitais, mas não se limitou a isso. O interesse foi crescendo a ponto que sempre que tinha algum problema em algum celular ou computador, ele mesmo tentava resolver. Atualmente, o aluno trabalha como assistente administrativo, mas já vê a importância do programa para seu futuro. Nos próximos dois anos, pretende ser fluente em inglês, se aprofundar mais em IA e desenvolvimento web. “O que eu almejo mesmo é botar em prática tudo que tenho estudado até então e atuar na área de programação.”
Já para Carlos, apesar de ter se interessado por tecnologia ainda criança, os primeiros equipamentos só chegaram no início da adolescência, aos 12 anos quando ganhou seu primeiro computador. Antes, o jovem precisava ir na casa de amigos para jogar e ter acesso a internet. “Desde pequeno eu sempre fui muito curioso, sempre querendo entender como as coisas realmente funcionam. Então, quando ganhei meu primeiro computador, meu olhar para a tecnologia começou a mudar”, explica.
Descobrir o Talento Tech foi um divisor de águas na vida do aluno, que mesmo tendo muito conhecimento teórico na área de tecnologia não conseguia desenvolver o lado prático dos estudos por falta de tempo. O aluno precisava conciliar a faculdade de Analise e Desenvolvimento de Sistemas com trabalho de assistente administrativo, além da vida pessoal. “Uma das coisas mais marcantes que o programa me ajudou a desenvolver foi esse senso de responsabilidade, de conseguir dar conta de tudo”, diz.
Entre os muitos planos para o futuro, Carlos continua a se especializar em diversas áreas por contra própria, como automação e cloud computing. “O Talento Tech já mudou minha vida, isso é fato. Agora depende de mim aproveitar essas oportunidades ao máximo e continuar progredindo até alcançar meus objetivos, e o programa é a ponte que vai me levar até lá”, afirma.
- Cresce número de paranaenses e de domicílios com acesso à internet, aponta IBGE
-
Estudo e trabalho: programa de estágio na rede estadual é destaque no Notícia Boa Paraná
PREMIAÇÃO – O resultado prático do aprendizado de ponta oferecido pelo Talento Tech não demorou a aparecer. Ainda em junho de 2024, durante o Módulo 4 do curso do Talento Tech, Breno e Carlos, em conjunto com os alunos Jayme Pedro Ferreira e Alysson Constantino Pedro, conquistaram o primeiro lugar no Hackathon Regional realizado pela Unespar.
O grupo desenvolveu um chatbot no Telegram pensado para pequenos comerciantes com pouca familiaridade com tecnologia, usando Processamento de Linguagem Natural (NLP) para permitir interações por meio de comandos simples. O assistente virtual permite o registro de despesas e ganhos, controle de fiados e oferece relatórios personalizados. A ideia era criar uma ferramenta simples, mas inovadora e que conseguisse de forma prática resolver o dia a dia de pequenos empreendedores que ainda usam métodos antigos ou que não fazem controle financeiro.
DESAFIO MORRETES – Na última aula do Talento Tech, que aconteceu no dia 19 de julho, as 50 turmas do programa, distribuídas nos municípios com menor Índice de Desenvolvimento do Paraná, receberam um desafio real da Prefeitura de Morretes: propor soluções para 12 problemas enfrentados pela cidade em diferentes áreas, como saúde, segurança, turismo e gestão pública. A missão foi usar o conhecimento adquirido ao longo dos 10 meses de curso para desenvolver ferramentas e sistemas aplicáveis no dia a dia da gestão municipal.
Cada turma selecionou três ideias de destaque, totalizando 150 soluções, que estão sendo avaliadas por uma banca técnica. As mais promissoras passarão por mentorias com profissionais da área de tecnologia e, até 31 de agosto, cerca de 10% delas serão implantadas de fato – um prazo recorde, já que projetos semelhantes costumam levar até um ano para sair do papel.
Além da experiência prática, os alunos que tiverem suas soluções implantadas receberão os créditos autorais dos sistemas desenvolvidos, podendo inclusive receber rendimentos futuros caso as ferramentas sejam replicadas em outras prefeituras. A ação transforma o aprendizado em impacto real e abre portas para que esses jovens construam uma carreira de tecnologia sem precisar sair de suas comunidades.